COMUNHÃO
Por Jonas Pereira
Filemon 1:6
Oro para que a comunhão que procede da sua fé seja eficaz no pleno conhecimento de todo o bem que temos em Cristo.
Introdução:
Esta carta traz a saudação a Filemom, um proprietário de escravos, cuja propriedade era usada para o encontro da igreja em segredo. Provavelmente, Filemom morava em Colossos, cidade da província romana na Ásia Menor. Ele se convertera ao cristianismo por meio do ministério de Paulo, possivelmente durante a estadia do apóstolo em Éfeso (At 19.26). Onésimo fugiu e havia furtado algo de seu dono e, ao fazer isso, encontrou Paulo e teve o privilégio de se tornar cristão.
Paulo trata, nesta epístola, de um assunto muito delicado para aquela época (segundo a legislação romana, o escravo que fugisse de seu senhor podia ser condenado à morte). Apesar dessa possibilidade, o apóstolo Paulo mandou Onésimo, um escravo fugitivo e recém-convertido ao cristianismo, de volta a seu patrão, Filemom, para restituir-lhe. Esta epístola é uma clara declaração de piedade, amor e misericórdia entre os cristãos. Paulo não está falando para Onésimo se humilhar e se submeter ao jugo da escravidão novamente; ao contrário, está suplicando ao seu amado irmão na fé que receba seu servo como um irmão em Cristo, como alguém que porta a imagem e semelhança do segundo Adão, Cristo.
E este chamado significava perdão e esforço de reconstrução, atos que nenhum outro dono de escravos teria de pensar em praticar na antiguidade. Enquanto o mundo daquela época buscava poder e glória, os cristãos buscavam o trajeto da cruz. Um caminho de servidão, amor e sofrimento!
Comunhão um ato a ser revisto
Voltando ao texto, Paulo ora para que a fé do amigo Filemom seja eficaz — um termo que significa estar em boas condições de funcionamento (Hb 4.12, onde se repete o mesmo termo). A fé que funciona é a que se partilha; e o conhecimento daquilo que Cristo operou na vida do cristão (Ef 3.17-19). Este tipo de fé também significa partilhar os pertences com outros irmãos (v. 17,18).
E aquilo que Paulo fala a Timóteo em sua epístola, persevera na fé que foi herdada dos seus parentes, o apóstolo assegura àqueles a quem escreveu que a comunhão dos crentes "é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo", é também com seus irmãos, uma fé compartilhada e não individual. E isso fazemos com um tipo de expressão tão incomum que carrega a força de uma afirmação — de onde o traduzimos: “Verdadeiramente nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo e com a sua igreja.”
A aparência externa e a condição de Onésimo naqueles dias era muito desprezível – ele era considerado a sujeira deste mundo e como o lixo de todas as coisas. O convite de Paulo para a comunhão com ele e seu dono é a participação nas coisas, parecendo estar expostos a um limite diametralmente contrário a muitos raciocínios e objeções contrárias.
“Qual é o benefício desta comunhão com ele? É outra coisa senão ser partícipe de problemas, reprovações, desprezos e todos os tipos de males? O que uma pessoa problemática pode nos trazer a não ser dor e sofrimento?” Essa é a premissa dessa carta: Onésimo era problemático. Quantos de nós não temos uma visão negativa daquilo que foge de nós, que são, por si mesmos, péssimas notícias?
Desenvolvimentos éticos assimétricos não são incomuns, e outras épocas também tiveram as suas virtudes favoritas e curiosas insensibilidades. E se uma virtude deve ser cultivada à custa das demais, nenhuma delas possui mais valor do que a misericórdia – pois todo cristão deve rejeitar por completo essa propaganda subreptícia a favor da crueldade que tenta expulsar a misericórdia do mundo, rotulando-a de “Humanitarismo” e “Sentimentalismo”.
O problema real está em que “bondade” é uma qualidade fácil de ser atribuída a nós mesmos em bases absolutamente inadequadas. Todos se sentem benevolentes se nada acontecer para aborrecê-los no momento. O homem se consola então facilmente a respeito de todos os seus outros vícios, através de uma convicção de que “seu coração está no lugar onde deve estar” e de que “não mataria uma mosca”, embora de fato jamais tivesse feito o menor sacrifício por um semelhante. Pensamos que somos bons quando somos apenas felizes; não é assim fácil, na mesma base, imaginar que somos temperantes, castos ou humildes.
Para prevenir ou remover essas e outras exceções, o apóstolo dá a quem ele escreveu para saber (e isso com alguma seriedade de expressão) que, apesar de todas as desvantagens de sua comunhão, para uma visão carnal, mas na verdade era, e seria considerado (em referência a alguns com quem o mantinham), muito honrado, glorioso e desejável. Pois “verdadeiramente”, diz ele, “nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo.”
Talvez o apóstolo Paulo estivesse dizendo para Filemom: "Não sei de nada que possa ser feito além de começar a reconstrução do seu ser o mais depressa possível." Talvez seja um trabalho tolo receber um servo que lhe defraudou, mas veja bem, devemos resistir à tentação de ser hipócritas: a “fraqueza” das pessoas que desceram abaixo da vergonha é uma fraqueza muito medíocre, mas que pode ser superada em Cristo Jesus, como todas as coisas. Até que sintamos ser verdadeiramente transformados, embora sejamos parte do mundo que Ele veio para salvar, não nos integramos na audiência a quem Suas palavras são dirigidas. Enquanto houver essa distância entre Deus e o homem, não há como caminhar juntos; para eles, qualquer companheirismo ou comunhão, será que Filemom não estava mais interessado nele do que no próprio Cristo que fora pregado?
Visto que não foi deixada para nós (em nós mesmos) nenhuma possibilidade de uma recuperação, a manifestação da graça e misericórdia perdoadora, que é a única porta de entrada para qualquer comunhão, não é confiada a ninguém, mas apenas a Ele em quem é, de quem a graça e a misericórdia foram compradas, por meio de quem é dispensada, que a revela do seio do Pai. A própria coisa é encontrada lá; mas a clara luz disso e a ousadia da fé nele são descobertas no evangelho e pelo Espírito nele administrado. Por esse Espírito, temos essa liberdade (2 Cor. 3:17-18). Abraão era amigo de Deus (Is. 41:8); Davi, um homem segundo seu próprio coração (1 Sam. 13:14; Atos 13:22); Enoque caminhou com Ele (Gênesis 5:22) — todos desfrutando dessa comunhão e companheirismo pela essência dela. E por que não ter paz entre os homens? Por que não podemos perdoar aquele que nos magoa? Por que temos que ser tão mesquinhos ao ponto de tornar escravo aquele que retorna a nós? Mas agora, em Cristo, temos ousadia e acesso com confiança a Deus (Ef 3:12). Essa ousadia e acesso com confiança os santos da antiguidade não conheciam. Só por Jesus Cristo, então, em todas as considerações quanto ao ser e à plena manifestação, essa distância é removida.
Comunhão é está em bons e maus momentos
Comunhão diz respeito a coisas e pessoas. Uma participação conjunta em qualquer coisa, boa ou má, dever ou gozo, natureza ou ações, todos participando disso. Um interesse comum na mesma natureza dá a todos os homens uma comunhão.
Assim foi com Cristo e os dois ladrões, quanto a uma condição, e a um deles a respeito de outra. Eles estavam en krimati – sob a mesma sentença na cruz (Lucas 23:40). Eles tinham comunhão quanto à condição em que foram julgados, e um deles solicitou (o que ele também obteve) uma participação naquela abençoada condição na qual nosso Salvador deveria entrar imediatamente.
Cristo podia permitir alguma distância nas pessoas que mantinham amizade, nem podia determinar exatamente seus limites e extensão; mas aquilo entre Deus e o homem, em sua apreensão, não deixou lugar para isso.
E você está se perguntando: “Mas, que mal eu fiz a Ele?” É justamente esse o ponto. O pior que fizemos a Deus foi abandoná-Lo – e Ele nos responde com graciosa gentileza. Por que não viver e deixar que os outros morram? Agora, comunhão é a comunicação mútua de coisas boas, em sua comunicação de Si mesmo a nós, com nosso retorno a Ele daquilo que Ele requer e aceita, fluindo daquela união em que Jesus Cristo temos com Ele.
E isso é duplo, perfeito e completo, na plena fruição de Sua glória e total entrega de nós mesmos a Ele, descansando n'Ele como nosso fim último; que desfrutaremos quando O virmos como Ele é; e inicial e incompleta, nas primícias e alvoradas daquela perfeição que temos aqui na graça.
Dessa comunicação mútua em dar e receber, de maneira santíssima e espiritual, que é entre Deus e os santos enquanto caminham juntos em uma aliança de paz, ratificada no sangue de Jesus, da qual devemos tratar. E isso faremos, se Deus permitir, entretanto orando ao Deus e Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo — que, das riquezas de Sua graça, nos recuperou de um estado de inimizade para uma condição de comunhão e companheirismo consigo mesmo — que tanto aquele que escreve, como aqueles que leem as palavras de Sua misericórdia, possam ter um sabor de Sua doçura e excelências nelas, a ponto de serem estimulados a um anseio adicional pela plenitude de Sua salvação e Sua fruição eterna na glória.
Agora, Filemom e Onésimo não seriam mais escravo e servo, mas seriam companheiros como Jônatas era com Davi, suas almas deveriam se apegar uma à outra (1 Sam. 20:17) no amor. Haveria a união de amor entre eles; e então eles deveriam comunicar todos os problemas de comunhão mutuamente.
E dessa forma deve ser a nossa comunhão com o nosso próximo, aqueles que gozam desta comunhão têm a união mais excelente para a fundação dela.
Comunhão com o Deus trino
Que os santos têm comunhão distinta com o Pai, o Filho e o Espírito Santo (isto é, distintamente com o Pai, e distintamente com o Filho, e distintamente com o Espírito Santo), e em que a apropriação peculiar desta distinta comunhão com as várias pessoas consiste, deve, em primeiro lugar, ser manifestada.
Porque por Cristo temos acesso ao Pai em um Espírito” (Ef 2:18). Nosso acesso a Deus (em que temos comunhão com Ele) é Christou ("por meio de Cristo"), en Pneumati ("no Espírito") e pros ton Patera ("até o Pai") – as pessoas aqui consideradas como engajadas distintamente no cumprimento do conselho da vontade de Deus revelado no evangelho.
“Nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo” (1 João 1:3). Essa expressão “e” tanto distingue quanto une; se alguém ama a Cristo, guardará as Suas palavras; e o Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada.
É nesta comunhão onde o Pai e o Filho fazem morada com a alma.
O caminho e os meios, então, por parte dos santos, pelos quais em Cristo eles desfrutam da comunhão com Deus, são todos os atos espirituais e santos e as saídas de suas almas nessas graças, e por aqueles meios, em que consiste tanto a adoração moral como instituída a Deus.
Fé, amor, confiança, alegria, etc.
São o culto natural ou moral de Deus, pelo qual aqueles em quem estão têm comunhão com Ele. Agora, estes são imediatamente agidos em Deus, e não estão amarrados a nenhuma maneira ou meio de se manifestar externamente; ou então são levados adiante, em orações solenes e louvores, de acordo com o caminho que Ele designou.
Não estou tentando produzir nada esplêndido nesta pregação, mas simplesmente procurando fazer com que eu e você (e, mais ainda, eu mesmo) atravessemos a pons asinorum – dando o primeiro passo para sair de um paraíso insensato e da completa ilusão daquilo que declaramos ser comunhão, mas esta ilusão tomou-se, nos tempos modernos, tão forte, que devo acrescentar algumas considerações para fazer com que a realidade se mostre incrível aos nossos olhos que alcançam apenas o ordinário da vida cristã.
Somos enganados porque olhamos a superfície das coisas, e isso não é para ser considerado expressivo, precisamos olhar a intensidade com que o apóstolo escreveu esta carta a Filemom. Ele não escreveu porque queria unir minorias às massas, ele apenas escreveu porque seu fundamento último era a certeza da Comunhão em Cristo Jesus com o Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Se estas divindades vivem em harmonia desde a eternidade, eu também devo viver em harmonia com os meus irmãos em Cristo Jesus.
Ninguém pode dizer quão familiares e, num certo sentido, apropriadas à sua alma essas coisas são, como elas fazem parte do resto: bem no fundo, no calor de seu íntimo, elas não fazem soar uma nota tão discordante, não parecem tão estranhas e desligadas do restante de você, como aparentam quando colocadas em palavras.
Pode ser que a salvação para Onésimo não consistia no cancelamento desses momentos eternos, mas na humildade aperfeiçoada que suporta a vergonha para sempre, rejubilando-se na ocasião por ela fornecida à compaixão de Deus e contente por ser de conhecimento comum ao universo.
Ele retornou para o seu Senhor Filemom, e o desfecho dessa história é o plano da redenção em Cristo: fugimos como um escravo de Deus, mas Ele, com toda a Sua gentileza e amor, nos aceitou de volta, colocando um anel em nosso dedo e vestes gloriosas!
!!Amém!!
Oro para que a comunhão que procede da sua fé seja eficaz no pleno conhecimento de todo o bem que temos em Cristo.